Como blog estaremos aqui para escrever as nossas opiniões, observações e para que quem nos visite deixe também as suas. Tentaremos, dentro das possibilidades, manter este local actualizado com o que vai acontecendo à nossa volta em Macau e um pouco em todo o lado...

sexta-feira, 27 de março de 2009

Artigos no Registo

Como se sabe colaboro semanalmente com um jornal local, O Clarim. No entanto, não sendo numa base periódica fixa, colaboro também com um jornal diário de Portugal, o Registo.
À semelhança do que faço com os artigos publicados em Macau, vou passar a disponibilizar aqui os textos publicados em Portugal na secção Artigos no Registo.
Para já vou disponibilizar os artigos publicados no ano passado e que abordam questões asiáticas.

2 de Junho de 2008
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Nepal: O rei perdeu o trono

Parece um título de romance de cordel mas não é. É a triste história da vida de um país mais conhecido pela sua proximidade com a Índia e por ser o “lar” de milhares de tibetanos no exílio, do que pela sua própria existência. No entanto, em 2001 este país encalhado nos Himalaias, viveu um dos seus mais trágicos incidentes quando parte da família real foi assassinada dentro do palácio, alegadamente, pelo próprio príncipe herdeiro. Algo que nunca fora esclarecido porque, após o massacre o príncipe, segundo se lê no relatório oficial, cometeu suicídio. A explicação oficial deste regicídio fora de que o príncipe herdeiro queria casar com uma pessoa, pela qual estava apaixonado, mas essa relação não recebeu a bênção da família real. A história recente do Nepal podese dizer que começou em 2001. Após o massacre, e após alguns anos de altos e baixos a nível político e social, o monarca no trono de uma monarquia parlamentar decidiu, o Rei Gyanendra, decidiu fazer um “golpe de estado real”, tomando todo o poder em mãos. Isto, como já se esperava, fez exasperar os sentimentos dos partidos da oposição. Até aí distanciados por ideologias e outras diferenças, viram nesta acção do monarca uma força convergente que lhes deu motivos de unirem forças e lutarem por uma causa comum. Após vários anos de revoltas, manifestações, negociações, promessas não cumpridas, entre outros incidentes, no dia 10 de Abril deste ano realizaram-se as tão prometidas eleições livres. Os resultados foram conhecidos quase um mês depois, a 8 de Maio e, como se esperava, os resultados não surpreenderam, uma maioria para os partidos de ideologia maoísta. O Nepal celebra agora uma “nova era” como a mais nova República no mundo, depois da nova Assembleia Constituinte ter dissolvido a monarquia que reinava há mais de um século. Juntamente com esta dissolução veio uma ordem, vexatória para quem já tinha sido considerado como o “rei-deus”, de despejo do Palácio Real no prazo de duas semanas. Num passo sem precedentes na história deste povo, que até há bem poucos anos adorava os seus monarcas ao ponto de os ver como a reincarnação de Vishnu, o Deus Hindu da Protecção, a nova Assembleia Constituinte resolveu acabar com a dinastia Sha, que já reinava no Nepal há 240 anos, sendo a última monarquia hindu ainda existente. Este passo marca a vitória dos maoístas, que lutavam há mais de uma década para depor o poder que viam como retrógrada e estratificado, estritamente ligado ao sistema de castas e que manteve a maior parte dos 29 milhões de nepaleses no limiar da pobreza. As primeiras palavras dos líderes maoístas, após a vitória, foram de que “o povo tinha sido libertado de séculos de tradições feudais e que novas portas se abriam para mudanças sociais radicais e desenvolvimento económico. O ex-rei Gyanendra nunca fora um Rei democrático, era pelo contrário um “one man-show” como o acusavam aqueles que
sempre se lhe opuseram. A sua postura autoritária e arrogante foi um dos aspectos mais importantes no processo de desacreditação da autoridade e respeito que a família
real tinha no seio da população nepalesa. A posição que Gyanendra assumiu em 2005, ao assumir todo o poder, acabou em 2006 mas só depois de 13 mil pessoas terem perdido a vida numa das mais sangrentas revoltas dos últimos anos em todo o mundo. No entanto, e apesar da voz do povo ter falado num processo eleitoral que, de acordo com as instituições internacionais decorreu sem percalços e de forma ordeira, nem tudo está a decorrer como pretendido. As manifestações continuam, agora contra as posições dos maoístas. As forças políticas ainda não conseguiram encontrar uma forma de implementar o sistema republicano num país governado, desde há séculos, por um regime monárquico. A demora na elaboração dos diversos articulados da nova constituição, prevendo o fim da monarquia e do fim das regalias da família real. Um episódio caricato, mas que retrata o quanto imatura é toda esta situação de democracia, aconteceu há dias quando tudo estava preparado para se realizar uma cerimónia de juramento de novos membros de alguns gabinetes do Governo. A cerimónia teve de ser adiada porque o Primeiro-Ministro estava a dormir. Estes incidentes, a par com muitos outros, têm manchado a imagem que os novos lideres querem transmitir para o
exterior, demonstrando apenas a falta de cultura democrática e de sentido de responsabilidade reinante na nova classe política nepalesa. Mais grave ainda é o facto dos partidos que derrubaram a monarquia só estarem unidos por um inimigo comum. Antes desta causa unitária lutavam pelo poder entre si, algo que alguns agora vêm como o maior problema para o futuro democrático do Nepal. Agora que já não existe uma monarquia que queriam ver deposta, vão acabar virando-se uns contra os outros, obrigando o país a mergulhar numa crise ainda pior do que aquela que viveu até agora, acreditam alguns dos mais destacados analistas políticos asiáticos que acompanham o desenrolar deste processo com muita atenção.

João Santos Gomes

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