É TRISTE quando não dão qualquer atenção ao que está previsto na Lei, especialmente ao que está determinado na Lei Básica. Macau, quer queiram quer não, até 2049, terá duas línguas oficiais e o Governo – infelizmente apenas o Governo... – terá de honrar o que foi acordado entre a China e Portugal e depositado sob os auspícios das Nações Unidas. O que se passou na semana passada é simplesmente vergonhoso. Decorreu um curso – obrigatório para efeitos de progressão na carreira, à luz dos novos estatutos – num dos serviços da Função Pública, onde o Português foi, simplesmente, metido de parte. Não houve sequer uma aula em Português, nem foi disponibilizado material nessa língua. Tudo o que havia era material em Chinês e algum, muito pouco, em Inglês, porque alguns dos formadores eram de Hong Kong. Quando confrontada com a situação por um dos participantes que tem o Português como língua materna, a organização desculpou-se, dizendo que «não houve tempo» e que o material tinha «vindo apenas em Chinês dos Serviços de Administração e Função Pública». Ao que parece a Internet de fibra óptica do director não é rápida o suficiente para enviar o material a tempo e horas! Sabe-se que os cursos estavam a ser preparados há vários meses mas, mesmo havendo pouco tempo, tal não pode ser desculpa para que a língua portuguesa seja ignorada e esquecida. Não é apenas o completo desrespeito pela Lei Básica, mas também o premeditado prejuízo dos candidatos de língua portuguesa, porque se trata de um processo de progressão na carreira que obriga à apresentação de um relatório no final do curso. Como se pode fazer um relatório quando não se tem material em Português, nem se teve aulas nessa língua? O facto de dizerem que haveria «interpretação» (refira-se que para fazer tradução mais de oito horas por dia apenas foi disponibilizado um tradutor que, por sinal, participava também ele no curso) não pode ser visto como solução, dado que mesmo assim os candidatos falantes de Português estariam sempre em desvantagem perante os seus colegas chineses. Até em Pequim, quando daqui foram funcionários para formação, havia interpretação simultânea e todo o material em Português. Quanto à solução adiantada pela organização – a do tradutor que também estava a frequentar o curso – digo que foi «pior a emenda que o soneto». É que se tal fosse aceite, não só ficaria prejudicado o funcionário de língua portuguesa como o colega tradutor, que seria obrigado a traduzir o que se estava a passar, não conseguindo, assim, assimilar o mínimo de que iria necessitar para a sua própria avaliação e consequente progressão na carreira. Além de que seria impossível ao tradutor interpretar tudo sem qualquer preparação e sem qualquer suporte ou ajuda. A situação é grave e não se pode deixar passar, sem que seja feita uma chamada de atenção e se registe o sucedido, mesmo que tal possa acarretar consequências mais graves a nível profissional. No entanto, devo dizer que será triste se tal acontecer porque, além do desrespeito pela Lei Básica, pode ser entendido como uma tentativa de tentar abafar o que realmente se passa e de calar os funcionários públicos. Não se percebe como é que não foi possível, com tanto tempo de preparação, organizar material em Português, de acordo com o que a Lei exige e prevê. E, mesmo que a Lei não o dissesse, deveria ser feito por respeito à diversidade cultural de Macau e das pessoas que aqui trabalham. Por outro lado, perante este facto, não se percebe como vão garantir a igualdade de tratamento. Haverá dois sistemas de avaliação dos funcionários? Muitas vezes estes atropelos, que se registam diariamente, são abafados e ninguém fala deles, seja por receio de represálias a nível profissional, seja por falta de vontade de criar um «caso» relativamente à língua. Sempre defendi, desde que ingressei na Função Pública, que se não formos nós, os falantes de Português, a defender o seu uso e difusão, ninguém o fará por nós. Se, no sector privado, não nos é possível fazê-lo, que o façamos no sector público. A desculpa da falta de recursos não pode servir para que o Português seja colocado de parte. Numa terra como Macau, onde o dinheiro abunda, a falta de recursos é uma desculpa de mau pagador. Se não existem recursos em Macau, recrutem-nos ao exterior. A China, Taiwan e o Brasil têm bilingues de Chinês e Português, que chegam perfeitamente para fazer face às lacunas da RAEM e muitos deles não se importariam de vir trabalhar para cá. Não acredito que a razão destes esquecimentos seja falta de recursos. O facto do referido curso estar previsto há diversos meses contraria essa teoria. É que mesmo com a dita falta de mão-de-obra, um período de meses seria perfeitamente suficiente para coordenar os «escassos» recursos e arranjar uma forma de respeitar as duas línguas oficiais. Mais importante do que respeitar o previsto na Lei Básica, é respeitar as pessoas que diariamente contribuem para o bom funcionamento da máquina da Administração Pública de Macau nas duas línguas. Este, infelizmente, foi mais um sinal de que algo de muito errado se passa com a língua portuguesa na RAEM. |
Como blog estaremos aqui para escrever as nossas opiniões, observações e para que quem nos visite deixe também as suas. Tentaremos, dentro das possibilidades, manter este local actualizado com o que vai acontecendo à nossa volta em Macau e um pouco em todo o lado...
sexta-feira, 31 de maio de 2013
Mais um triste exemplo
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