Escudo Português em perigo
CERTAMENTE que muitos dos chegados a Macau nos últimos tempos sabem da existência do Templo Lin Fong e da importância desse templo para a história do território, por ser onde ficavam instalados os mandarins, quando ainda tinham algo a dizer sobre a política local. Foi ali também que foi assinada a ordem que ilegalizou o comércio de ópio. Por ficar fora dos percursos normais dos turistas (situado na zona Norte, perto do Canídromo), facilmente fica esquecido.
Mas não foi para falar da importância histórica do templo que resolvi abordar o tema. Sempre acreditei que «onde há fumo há fogo» e como ultimamente ouvi uns boatos acerca de algo muito português que se encontra nesse templo, fiquei alarmado.
De acordo com a história, aquele é o sítio onde foi assassinado o antigo governador Ferreira do Amaral, aquele que assentou de vez as fronteiras de Macau que hoje conhecemos e afastou o poder «mandarinal» definitivamente.
Na época, para atestar o controlo português sobre toda a zona, o mesmo governador mandou inscrever um símbolo real numa das rochas existentes no recinto do templo. Segundo nos relata o padre Manuel Teixeira, uma «coroa real e escudo, tendo por baixo a data de 1848, foram mandados esculpir pelo governador Ferreira do Amaral. A data, que não se encontra visível, estará provavelmente escondida pelo relvado que circunda a rocha». Uma marca indelével do controlo português em todo o território, com todo o valor simbólico que teria, ao ser gravada no local onde antes ficavam as autoridades chinesas que vinham interferir com o poder português.
Acontece que, de acordo com alguns boatos que se ouvem, mas que nenhuma autoridade actual quer confirmar, apesar de muitas tentativas por canais oficiosos nas Obras Públicas, parece que se preparam para, definitivamente, remover a marca portuguesa. À semelhança do que foi feito com centenas de símbolos um pouco por todo lado, logo após a transferência de soberania, e como o que recentemente avançámos, em primeira mão, relativamente às edições do Boletim Oficial da Administração Portuguesa (que tem sido subtraído dos símbolos portugueses na sua edição online), deve estar para breve o desaparecimento dessa marca deixada numa das rochas existentes no recinto do Templo Lin Fong.
Na sua obra «A Voz das Pedras de Macau», o padre Manuel Teixeira já referia que uma inscrição semelhante já teria sido retirada da Estrada do Arco, a mesma onde fica o templo, e colocada junto das ruínas de S. Paulo, onde veio depois a ser «desfeita pelo camartelo dos assalariados do Leal Senado».
Relativamente aos boatos desta inscrição existente no Templo Lin Fong, há duas versões: a primeira diz que os planos de reordenamento daquela zona, de acordo com o plano maior para toda a cidade de Macau, abrangem o templo e obrigam a que a rocha seja partida, sendo que o símbolo português irá ser preservado e «metido» na parede; a segunda versão diz que a dita remodelação abrange apenas o recinto do templo e que a rocha tem de ser removida, não havendo qualquer plano relativo à marca portuguesa.
Independentemente do que é dito por cada uma das duas versões, a verdade é que se trata de mais um delapidar de história e uma tentativa velada de reescrever o que os nossos antepassados, portugueses e chineses, escreveram.
A história, boa ou má, não se reescreve nem se coaduna com tentativas de a alterarem. Quanto muito, aprendemos a viver com ela e tentamos retirar ensinamentos do que aconteceu ao longo dos séculos. Uma terra sem história, ou com uma história parcial ou artificial, nunca poderá ter um futuro brilhante e os seus filhos ficarão sempre na ignorância quanto aos acontecimentos ocorridos.
Pelo que esta tentativa de alterar o legado da história, por mais insignificante que seja, não pode acontecer e não deveria ter lugar em Macau, um local tradicionalmente conhecido como de encontro de culturas. Espero que este alerta chegue a tempo e que os responsáveis pelo projecto de remodelação da zona, a serem verdade o boatos que correm, mudem de planos e preservem o que torna Macau diferente e atrai tantos turistas anualmente.
NA FOTO: Escudo Português encimado pela coroa real, junto ao Templo de Lin Fong.