E estamos em 2012
POIS é! Chegámos a 2012 e pouco ou nada parece ter mudado no panorama de Macau. Continuamos a viver o dia-a-dia sem grandes perspectivas de futuro e, pelo menos, também não receamos que a qualidade de vida piore muito mais, como acontece um pouco por toda a Europa. Fora disso, os dias com frio continuam e o Ano Novo Chinês (do Dragão) está à porta.
Macau, como já nos vem habituando nos últimos anos, parece ter estagnado nesta multidão de gentes vindas do outro lado das Portas do Cerco. Um aspecto desconfortável com que todos temos de viver, se quisermos beneficiar daquilo a que apelidaram de avanço e desenvolvimento. Enquanto em países europeus se defende uma redução do nível tecnológico e um regresso às «origens», em Macau o moderno e piroso é sinónimo de algo avançado.
Muitos dos residentes, especialmente os que aqui vivem há mais tempo ou aqui nasceram, falam com saudade dos anos em que as pessoas se tratavam por tu e sabiam os nomes de todos os vizinhos; dos anos em que era possível passar um fim de tarde no Largo do Senado, sentado junto dos Correios, ou beber um chá gelado na zona do Bom Parto nos dias de mais calor.
Actualmente, no Largo do Senado não há locais para nos sentarmos. Os que existem, junto ao quiosque, estão sempre cheios de pessoas e o ambiente envolvente é pouco cativante, pela confusão causada pela constante movimentação dos muitos que nos visitam. A falta de educação (nem de todos, digamos) de quem nos visita, a falta de respeito pelas tradições locais, o total desconhecimento de regras de boa convivência e a arrogância de quem se tornou rico do dia para a noite, transformaram locais anteriormente aprazíveis em espaços impróprios para quem queira apenas descansar e apreciar o ambiente depois de um dia de trabalho. Conversas estão fora de questão, porque o barulho é tanto, e constante, que impossibilita qualquer troca de palavras que tenham coerência.
Faltam em Macau espaços onde os locais possam ir meter a conversa em dia com os seus amigos de longa data, sem terem de estar preocupados com o turista que cospe para o lado ou atira o maço de tabaco vazio por cima do ombro.
Não vivo em Macau há muitos anos, mas, mesmo assim, sinto saudades de apanhar a carreira 33 e encontrar um assento livre; de sair à noite e encontrar um táxi que saiba onde é a Calçada do Monte, ou onde ficava o antigo Clube de Jazz, na rua das Alabardas.
A verdade é que progresso (assim chamam aos monstros de betão construídos para atrair os milhões do outro lado da fronteira) fazia falta a Macau; por isso temos que aprender a viver com ele. E, depois de ter começado, não há forma de o parar. Aliás, dizem analistas entendidos na matéria, que a situação só tende a ficar cada vez pior. Mesmo sem entender especialmente do assunto, a ver pela quantidade de aterros programados e pela falta de visão para a sua ocupação, é de esperar que a população de Macau chegue, muito em breve, à barreira psicológica do milhão de almas. Se bem me lembro, somos ainda menos de 600 mil. Só espero que nos «dêem» a Ilha da Montanha em breve!
O Governo desmente, copiosamente, que não existe qualquer tipo de objectivo neste campo e que os novos aterros irão servir para aumentar a qualidade de vida da população. Pessimista como sou, custa-me acreditar como podem eles vir contribuir para que vivamos melhor, quando os projectos (existem dois distintos) apontam para um aumento populacional na casa dos 200 mil habitantes. Se a este número juntarmos todos os projectos habitacionais em curso e todos os que ainda estão no papel, a barreira do milhão não ficará muito longe. Se com 600 mil é o que todos sabemos, imaginem daqui a cinco anos!
Gostava que 2012 fosse um ano de esperança, no que diz respeito à qualidade de vida em Macau, mas com prospectos deste tipo e com o número dos turistas a ultrapassar os 25 milhões, não consigo imaginar onde irá caber tanta gentinha. Passará a solução por ficar em casa a maior parte do tempo, deixando a «nossa» cidade para os forasteiros?
No campo da nossa sociedade e dos problemas que enfrenta, só espero que o Governo não siga o conselho dado por uma das nossas deputadas para fazer frente à crescente delinquência juvenil. Angela Leong defende, com efeito, que as crianças devem ter educação militar, para se evitar que entrem no mundo do crime! A deputada deve andar completamente alheada da realidade do mundo militar e do que se passa do outro lado da fronteira, para sugerir sujeitar às crianças de Macau aos rigores da educação castrense. Não tenho conhecimento se a senhora deputada tem prole em idade escolar; se a tem, gostaria de saber se estaria disposta a enviar os seus filhos para as mãos de sargentos do exército chinês!
Fiz o serviço militar obrigatório e considero que é uma boa escola de virtudes. Mas não o aconselho a menores.
O problema da delinquência juvenil, em Macau, tem raízes mais profundas do que a falta de disciplina das crianças. A delinquência é o resultado da sociedade que o Governo ajudou a criar e que não dá condições às famílias para terem uma vida condigna e tempo para educarem os seus filhos. Os pais são obrigados a trabalhar em turnos desencontrados, de noite e de dia, e não têm tempo para se dedicarem à família, ficando os filhos sozinhos ou a cargo de avós ou, quando os pais têm capacidade financeira, a cargo de empregadas domésticas sem qualquer preparação para cuidar de crianças.
Quando não há condições para que os pais possam, com toda a dignidade, trabalhar em horários normais de oito horas diárias, como se lhes pode exigir que se dediquem à família? Nem todos têm capacidade de deixar de trabalhar, para serem donas de casa e mães de família. Por outro lado, nem todos têm posses para contratar uma equipa da «bábás» para tomarem conta das crianças, enquanto as mães trabalham.
É aqui que o Governo deve trabalhar, em 2012, deixando os aterros vazios e dar espaço às famílias.