A Saúde e o Português
ANTES de mais, Kung Hei Fat Choi para todos os leitores d’O CLARIM e para todos os meus amigos. Espero que o Dragão nos traga muita saúde e prosperidade e que seja um ano de mais avanços do que recuos, em todos os campos das nossas vidas.
Nestes últimos dias fiquei a saber que a questão da língua portuguesa em Macau divide mais os portugueses que os chineses. Recentemente coloquei numa página da Internet um comentário relacionado com o facto de me ter dirigido às Urgências do Centro Hospitalar Conde de São Januário e ter sido obrigado a deixar o local sem ser atendido por um médico que falasse Português. As reacções ao comentário foram mais do que surpreendentes e demonstram que, se temos de culpar alguém por não se usar mais o Português em Macau, a nós temos de apontar o dedo.
De salientar que não referi que queria ser atendido por um medico português, pelo que a questão da nacionalidade estava metida de parte. Apenas exigi, – como está previsto nas leis que nos regulam, – que o serviço público me fosse prestado na língua oficial portuguesa, visto não dominar a outra. Recusei-me apenas a fazer uso do Inglês na consulta por temer que algo se perdesse no meio das traduções, como muitas vezes acontece. Nem o meu Inglês é bom, nem o da maioria dos clínicos chineses do hospital atinge um nível que nos deixe confortáveis. Não seria a primeira vez que iria sair do hospital com mais uma receita de «paracetamol».
A solução que me encontraram, depois de ter sido muito mal recebido por dois clínicos (um médico e uma médica, suponho), foi a de abandonar o local porque, segundo o médico que estava responsável pelas Urgências nesse dia, não me conseguiria atender em Português. Se quisesse ser em Inglês, muito bem; caso contrário, teria de procurar consulta noutro local ou noutro dia!
Isto, para registo dos Serviços de Saúde, caso queira aprofundar a queixa, passou-se no dia 2 de Janeiro, sendo o meu registo das 10:44 da manhã. Abandonei o local já depois do meio-dia, sem ser atendido. O problema teve de ser resolvido na privada, para minha surpresa. Quanto à queixa, estou à disposição do SSM para mais esclarecimentos, caso entendam contactar-me. É uma vergonha que tratem os utentes desta forma.
A verdade é que em Macau o Governo de Portugal, até 1999, nunca conseguiu impor a língua portuguesa como obrigatória nas escolas. E, mesmo nas públicas onde era ensinada, a sua qualidade foi sempre incipiente, vendo-se agora os resultados desse ensino no seio da comunidade local, ao contrário de Hong Kong, onde Londres nunca deu o braço a torcer e obrigou todos (quase) a aprender forçosamente o Inglês. Mesmo com essa política, a penetração do Inglês em Hong Kong ficou muito aquém do que Inglaterra esperava. No entanto, situa-se em níveis muito aceitáveis, especialmente nos serviços públicos.
Aqui em Macau, passados doze anos da transferência da soberania, o ensino do Português parece agora ter mais força do que durante a administração portuguesa. No entanto, os resultados deste esforço de Pequim (através de Macau) para ensinar mais pessoas a dominar a língua portuguesa, só irá dar resultados daqui a uma ou duas gerações. Até isso ser visível, o Português vai sendo, cada vez mais, deixado para segundo plano, relativamente ao Inglês. Mesmo nos serviços públicos, onde, por força do acordo assinado por Pequim e Lisboa, seria obrigatório a prestação dos serviços nas duas línguas. Acontece na grande maioria das repartições e eu próprio posso testemunhar isso diariamente.
Nota-se um esforço para que o Português não perca terreno, especialmente depois do Governo Central ter puxado as orelhas ao Executivo local. No entanto, em alguns locais, nomeadamente nos Serviços de Urgência do hospital público, tal não acontece e piora de dia para dia, sem que ninguém se incomode.
O caso dos serviços médicos parece-me mais sério porque, no caso de se tratar de um problema complicado (por exemplo uma apendicite aguda) e o paciente não ser capaz de explicar em Chinês ou Inglês (ou caso o clínico não perceba, o que acontece amiúde), o diagnóstico poderá ter consequências desastrosas. Não seria o primeiro, no caso das apendicites agudas, a ser enviado para casa com «paracetamol» e um diagnóstico de gases! Felizmente, ainda nada de grave sucedeu, visto as pessoas afectadas recorrerem, em último recurso, aos serviços privados.
Se bem que o caso que se passou comigo seja grave, o que mais me surpreendeu foram mesmo as reacções à minha indignação. Muitos foram os que consideraram que estaria a extrapolar e a ser reaccionário, visto dominar Inglês e não haver necessidade dos médicos falarem Português. Se assim for, para que precisamos do Português como língua oficial? Apenas para constar como sinal de diferença e aparecer na fotografia de alguns turistas?
O Português é língua oficial, a par com o Chinês. Não tenhamos ilusões em pedir que todos falem Português, porque nunca irá acontecer, assim como nunca iremos ter todos os portugueses a falar Chinês. No entanto, em tudo o que se relaciona com os serviços dos Governo, deve e tem de haver capacidade de fornecer serviços a quem os queira em Chinês ou Português. No caso do hospital, será impensável que todos os clínicos falem Português e Chinês (tanto os chineses como os portugueses), mas não deve servir de impedimento para que haja uma equipa abrangente de falantes das duas línguas oficiais. Médicos a falar Português há em, pelo menos, oito países. Não têm de ser forçosamente de Portugal.