DECORRE por estes dias uma actividade promovida pelas autoridades marítimas de Macau, com a participação de centenas de pessoas do território e visitantes. Durante a época de defeso da pesca, pelo segundo ano consecutivo, pescadores, Capitania dos Portos e outras autoridades têm andado a levar residentes e turistas a passear em alguns barcos de pesca pelas águas adjacentes ao território: uma forma de fazer face à crise e ocupar os pescadores durante esta época de defeso imposta pelas autoridades de Pequim, segundo justificam os impulsionadores da iniciativa. E uma forma de dar a conhecer a ancestral forma de vida dos homens do mar, justificam as autoridades.
Até aqui, tudo bem! Aliás, considero meritória a actividade e espero que se possa manter durante muitos anos. E, se possível, deveria estar disponível durante todo o ano. Certamente que alguns pescadores iriam preferir andar a passear, do que nas lides pesadas da pesca, caso conseguissem sustentar a família dessa forma.
No entanto, o que me preocupa nisto é a questão da segurança. A legislação marítima de Macau é muito clara no que diz respeito aos requisitos de segurança das embarcações de recreio, de pesca e comerciais. Neste caso, seria uma de pesca, transformada em recreio, pelo que se terá de aplicar o que à última diz respeito.
Além de ser obrigatório estar equipada de rádio de comunicações, radar, sistema de posicionamento global e, no caso de embarcações, com as dimensões das de pesca, têm ainda de ter outros equipamentos electrónicos que, para além de ajudarem à navegação, servem para garantir a segurança a bordo, mas cuja complexidade técnica não vale a pena estar aqui a esmiuçar.
Além de tudo isto, a emissão de uma licença para uma embarcação obriga a que exista uma farmácia a bordo; e, no caso de embarcações deste tamanho, terá de ser bastante completa, desde comprimidos para enjoo, até compressas e alfinetes de ama. Uma lista abrangente e que pode ser consultada na página da Capitania dos Portos, assim como toda a restante legislação.
A par de tudo isto, no acto de registo de embarcações tem de se declarar o número de ocupantes, com a obrigação de ter um colete salva-vidas para cada um deles. E, para barcos desta dimensão, é obrigatório também dispor de embarcações salva-vidas que se encham de ar automaticamente, quando forem metidas à água.
Andar a vender bilhetes, promovidos pelo Governo e com o seu aval, para levar pessoas a passear em embarcações que não oferecem as mínimas condições de segurança, parece-me ser, em minha opinião e tendo em conta já alguma minha experiência de mar, um acto de tremenda irresponsabilidade e, por outro lado, um acto de completa falta de consideração e de justiça para com os empresários que apostaram nas embarcações de lazer e que são obrigados a pagar impostos e a cumprir todos os requisitos que atrás enunciei.
Há, pelo menos, duas embarcações que navegam, diariamente, nas águas de Macau com turistas e que cumprem, aparentemente, todos os requisitos. Esses barcos, que servem inclusivamente refeições, estão a ser discriminados, em favor dos pescadores.
Consulado fica mal na fotografia
Foi com agrado que vi, mais uma vez, se bem que por razões muitos tristes, Macau juntar esforços quando foi pedido auxílio para ajudar a família da jovem portuguesa que faleceu num trágico acidente de viação. Sem meios de suportar os custos da transladação do corpo, e depois de ter recebido uma nega do Consulado Geral de Portugal em Macau, a família ficou nas mãos da generosidade da população, para fazer com que tal fosse possível.
Foi uma onda contagiante de solidariedade que se viu em torno deste obstáculo e que rapidamente ultrapassou as expectativas iniciais. Macau, como já tinha acontecido noutras ocasiões – lembram-se das campanhas para ajudar Timor? – juntou mãos e uniu todas as comunidades no apoio a esta jovem portuguesa e à sua família.
Quem acabou por ficar mal na fotografia foi o Consulado de Portugal. As comparações não se fizeram esperar e vários casos foram trazidos à praça pública, nomeadamente pela comunidade não portuguesa ou chinesa. Por exemplo, casos de turistas filipinos e tailandeses que perdem a vida em Macau e os seus representantes diplomáticos não hesitam em prestar todo o apoio às famílias afectadas. A transladação dos corpos fica sempre a cargo das representações diplomáticas, assim como todo o processo burocrático. Afinal, para que servem as representações dos nossos países no estrangeiro, se não for para ajudar os seus nacionais em tempos de aflição?
Na verdade, não sei o que se passou no Consulado de Portugal, mas custa-me acreditar que não houvesse 15 mil euros para suportar os custos do processo. E, mesmo que não dispusessem da verba, julgo que não deveria ser muito difícil encontrá-la junto de entidades locais, nomeadamente o cônsul honorário em Hong Kong ou departamentos do Governo da RAEM.
Muito feio e um péssimo exemplo de solidariedade da parte de quem deveria ser a primeira instituição a resolver o problema. Esperemos que, futuramente, haja um plano de contingência e que não voltem a suceder casos semelhantes. Um fundo de emergência para fazer frente a estes casos deveria existir em todas as representações diplomáticas.