EM Macau habituámo-nos a ouvir dos dirigentes do Governo as mais sérias barbaridades, sem que ninguém venha a público dizer que estão enganados e os chame à responsabilidade pelos erros cometidos.
Recentemente, foi a vez da Capitania dos Portos, pela voz da sua chefe máxima, Susana Wong, ao anunciar que está a ser planeado um processo para licença única dos barcos de lazer. Algo que, segundo as notícias vindas a público, baseadas num comunicado à imprensa apenas em Chinês (como já vem sendo hábito da Capitania dos Portos, infelizmente), foi decidido na última reunião da Assembleia Nacional Popular, em Pequim! Os barcos de Macau, Hong Kong e da província de Cantão vão passar a ter uma espécie de registo de navegação, único, que lhes permitirá entrar e sair dos portos da região sem grandes problemas.
Eu pergunto-me: com o registo do meu pequeno barco à vela, que problemas tenho eu para entrar em Hong Kong ou em Nansha (marina perto de Cantão)? Nunca tive qualquer tipo de problema com papéis, porque estão todos em ordem. Para Hong Kong, basta-nos apresentar o BIR de Macau e assinar o papel da emigração (aliás, se for apenas para passar a noite numa das baías, muitas das vezes as autoridades de Hong Kong nem se dão ao trabalho de fiscalizar). Caso haja entrada em Hong Kong, antes de sair, no prazo de 24 horas, temos de informar as autoridades portuárias locais. Na China, o processo é o mesmo, apenas com a agravante de incluir vistos.
Em Macau, não tenho conhecimento de nenhum barco de recreio vindo da China, mas de Hong Kong têm vindo vários, ao longo do ano (mas muito longe dos 100 que o comunicado informava!), e o processo é igualmente simples.
Não se entende, por isso, a razão de tanta euforia com um assunto que nada traz de novo.
Por outro lado, a directora falava na perspectiva de se aumentar a actividade no campo da náutica de recreio e da necessidade de haver mais pontões ou locais de atracagem: um problema velho em Macau, mas que apenas o Governo não vê forma de resolver. Já aqui se avançou com, pelo menos, duas opções: uma, que incluía a construção de raiz; e outra, que incluía a reconversão das estruturas existentes, ambas trazendo valor acrescentado a Macau e a toda a sua linha costeira na cara do território. Qualquer grande cidade mundial, que faça jus ao seu nome e história ligada ao mar, tem marinas à entrada. Olhem para Sidney, Nova Iorque ou Lisboa, para falar apenas de algumas!
Susana Wong dizia que havia dois locais para atracar os iates em Macau! Eu vivo em Macau desde 1997 e, desde essa altura, só sei da existência da Marina do Lamau para se atracar barcos. É verdade que existe o Porto Interior e o abrigo do Fai Chi Kei, mas as «máfias» dos pescadores nem sequer deixam os desportistas náuticos sonhar em ali atracarem, quanto mais os barcos que nos visitam. Veja-se a reacção do «sindicato» dos pescadores na notícia do «Ponto Final» para logo nos darmos conta do que eles pensam. Nem sonhem sequer em usurpar os locais que a proeminente indústria pesqueira da RAEM usa!
A directora da Capitania, certamente, referia-se a Cheok Van, que outrora foi o Clube Náutico e que serviu para milhares de crianças aprenderem a velejar. Depois de ter sido entregue ao Governo, nunca mais abriu portas, apesar de haver, pelo menos, uma proposta de um grupo particular para o reactivar e o restituir à população. Segundo sei, a isto o Governo disse nem pensar, porque são eles que sabem o que ali se deve fazer! Há vários anos fechado com as instalações a apodrecer, ali há barcos sem serem usados na totalidade das suas capacidades.
Cheok Van está longe de se chamar um local de atracagem de barcos, visto ser uma doca seca e, como tal, só pode acolher barcos que possam ser retirados facilmente da água através de um guincho: equipamento que, da última vez que foi usado antes do tufão Agupit, quase danificou um barco por se ter partido um cabo e porque quem o operava não sabia o que fazer!
Da Capitania já nada me impressiona, nem mesmo que não saibam o mínimo da sua faina. Tenho pena porque ali trabalham pessoas com imenso valor e com muitas provas dadas, especialmente técnicos que vieram da Administração Portuguesa e que muito têm para dar a Macau e a quem gosta de coisas ligadas à água.
Quando pessoas novas ligadas à Capitania não sabem distinguir entre bombordo e estibordo, algo de muito errado se passa no reino da «marinha».