Condutores têm de ser locais
ESTA coluna corre o risco de começar a parecer uma perseguição aos serviços de autocarros! Garanto, porém, que longe de mim está tal ideia. Quanto muito será um espaço de crítica, tendo em vista a melhoria do serviço a que todos temos direito.
Na semana passada falava dos autocarros. Nesta edição vou voltar ao mesmo tema, por ter lido um artigo na imprensa diária que nos dava conta da preocupação da nova operadora na contratação de condutores locais. E, logo no dia seguinte, a autoridade competente a vir dizer que há em Macau condutores suficientes. A companhia, perante as dificuldades, avançava com a solução de se contratarem no Continente.
Como todos sabemos, a qualidade dos condutores locais de autocarros (e de táxis também) é do pior que há. Julgo mesmo que, se fossem obrigados a fazer um curso de reciclagem anualmente, muitos deles reprovariam nas provas.
Virem com a ideia de ir recrutar ainda mais condutores ao interior da China é algo pouco sensato. Primeiro, os condutores do lado de lá das Portas do Cerco têm um comportamento na estrada completamente diferente daquele que se quer em na RAEM; segundo, a qualidade dos condutores, a aferir pela forma como são feitos os exames de condução (prática e teoria) no Continente, deixa muito a desejar em termos do «standard» internacional, aliás, a carta de condução da China não é reconhecida internacionalmente, ao contrário da de Macau; terceiro, os condutores do Continente não conhecem Macau, pelo que poderia ser contraproducente pô-los a conduzir um veículo cheio de pessoas.
Admito que haja falta de profissionais do volante e creio bem que se torne difícil às empresas encontrar condutores. No entanto, a solução de os ir buscar ao outro lado não me parece acertada.
Antes de mais, é preciso cumprir os regulamentos e nivelar a qualidade por patamares superiores. O nivelamento por baixo dá sempre maus resultados.
Quando os responsáveis das empresas concessionárias dizem que não há mão-de-obra local, o problema deve ser resolvido internamente. E, para que se resolva, há preceitos que têm de ser preenchidos. Para começar, torna-se necessário oferecer uma carreira condigna e com salários ao nível da exigência da profissão. Se os condutores tiverem um salário e regalias atraentes, não haverá falta de interessados em tirar a carta de condução profissional para trabalhar como condutores de autocarro. Perante a urgência da contratação, a medida mais acertada será o Governo anunciar cursos de reciclagem de condutores, em tempo recorde, para que se possam preparar, em pouco tempo, 100 ou 200 condutores, de modo a poderem colmatar as necessidades das três empresas. Não havendo cidadãos locais (residentes permanentes) interessados, poder-se-ia, eventualmente, dar a possibilidade a residentes não permanentes. Neste caso, porém, com a obrigatoriedade de terem de ficar ligados à empresa por um período mínimo de tempo (alguns anos, talvez) e sem possibilidade de trabalharem noutro local. Uma simples aplicação das leis laborais já em vigor.
Urge em Macau optar-se por formação de qualidade. O recurso, sempre que nos sentimos apertados, ao mercado da mão-de-obra do Continente, não serve os nossos intentos. A qualidade que vem do outro lado raramente chega aos patamares pretendidos. Daí que, quem fica a perder somos todos nós e quem nos visita. Macau tem de marcar a diferença, pela positiva e não pela negativa, como tem sido nota dominante até agora.
Esta nova etapa dos serviços públicos de autocarros no território é uma boa oportunidade para a Direcção dos Assuntos de Tráfego, conhecedora das reduzidas dimensões de Macau, fazer uma análise profunda e abrangente da realidade local, programar e executar da melhor forma as decisões que vier a tomar, tendo sempre em vista oferecer ao cidadão comum um serviço de transporte público deveras eficiente. Se tivermos um serviço de autocarros de qualidade, em que os condutores além de conhecerem o terreno revelam boa condução e boa educação, os utentes certamente irão optar mais vezes por os utilizar e os turistas sairão daqui com uma melhor imagem.
O panorama actual é assustador. Só quem não usa os transportes públicos é que não sabe a aventura que é andar dentro de um autocarro em Macau com as travagens bruscas, corridas de paragem a paragem, além de manobras que metem em perigo os passageiros e quem circula na via pública.
Por sorte, ao longo dos anos, os incidentes têm sido poucos. Será necessário que aconteça uma tragédia para que os responsáveis acordem?
Um bom serviço de autocarros tem de passar, primeira e necessariamente, pela boa qualidade dos veículos e segurança dos mesmos; mas, também, pela formação dos condutores e, ainda, pela informação acessível a todos e de forma correcta.