Tempo de ideias lânguidas
ESTE período que atravessamos todos os anos é sempre pardacento e sem grandes assuntos para abordar. Além da aproximação da quadra festiva do Natal, pouco mais há para dizer.
Os fins de Novembro e princípios de Dezembro ficam marcados por conversas que giram em torno das Linhas de Acção Governativa, os aumentos ou a sua inexistência para os funcionários públicos e pouco mais. Todos os anos isto se repete e faz lembrar a famosa «silly season» do Verão. Agora, depois de todos os digníssimos secretários se terem dado ao trabalho de nada apresentarem de substancial, há-de surgir uma publicação, primeiro em Chinês e depois em Português, com todos os detalhes que foram apresentados na Assembleia Legislativa.
Recebo esses «manuais» todos os anos na minha secretária, mas, de tão enfadonhos que são, raramente me dou ao trabalho de os abrir. Ali ficam junto a tantas outras publicações que se vão fazendo nesta terra e que apenas servem para gastar verbas do erário.
Já se vai tornando hábito, por esta altura, fazer a pergunta: O que fizeram os membros do Governo da interminável lista que tinha sido publicada no ano anterior? O que foi feito e o que ficou por fazer?
Este ano não tivemos oportunidade de ouvir as apresentações em directo na Rádio Macau. Uma bênção? Ou, como me disseram, foi um problema técnico… Sinceramente, era das poucas alturas do ano em que ligava a rádio em língua Portuguesa, porque me dava prazer ouvir as excelentes traduções vindas do sistema sonoro da Assembleia Legislativa. E, como muitas vezes acontecia, se não entendesse nada do que era debitado para os microfones dos tradutores, lia a imprensa do dia seguinte e talvez ficasse mais esclarecido.
Em todos estes anos não me lembro de ninguém que tenha ido para a Assembleia, durante a apresentação das LAG, de livrinho do ano transacto na mão para confrontar os secretários acerca do pouco que foi feito, relativamente ao que tinha apresentado. Há excepções, claro. Já quanto a respostas esclarecedoras da classe política…
Como não houve directo radiofónico da AL, pouco ou nada sei do que foi anunciado este ano. Mas, mesmo assim, não estou muito preocupado, pois não deve ser muito diferente do que foi anunciado no ano anterior. Se algo de excepcional tivesse saído dos Lagos Nam Van, certamente já há muito se falaria nas ruas de Macau.
De tudo o que se palrou no hemiciclo, apenas sei de um detalhe que desapontou muita gente: os funcionários públicos não vão ter aumento!
Bom, do mal, o menos, já que a secretária anunciou que vai ser criada uma comissão para estudar um mecanismo de actualização automática dos vencimentos… O que é que virá por aí!?
Como outros anúncios, este deve ficar no rol dos que nunca irão sair do papel. No próximo ano, ninguém se irá incomodar em confrontar os responsáveis na apresentação das LAG em Novembro. Entretanto, serão distribuídos mais uns cheques e outros doces e a malta assobia para o lado!
A verdade é que esta apatia, que o Governo tem gerido com oferendas de dinheiro e de outro tipo, começa a causar problemas sociais que dificilmente se resolvem, caso as mentalidades não mudem. O facto dos nossos dirigentes não serem capazes de tomar decisões que tenham um impacto positivo na vida das populações, a longo prazo, não implica que andem a remendar buracos com ofertas. Há problemas em Macau que não devem ser escamoteados.
Num território que, ano após ano, não chega a gastar a verba dotada no orçamento, não se consegue entender, nem tão pouco se deve admitir, que haja pessoas a passar fome.
Uma cidade que vive do luxo e da opulência não se deve esquecer de olhar para as sombras por trás das iluminações dos casinos e dos grandes hotéis. Há em Macau muitas pessoas que, por uma razão ou outra, vivem abaixo do limiar de pobreza e que nada têm para comer. É isto que devia ser discutido no hemiciclo todos os anos e que deveria merecer uma atenção incondicional por parte de quem nos Governa.
Aumentos, subsídios e abonos são boas notícias para quem os recebe, mas a questão mais importante, num Estado Social (como o que se deve querer para Macau), é saber se a sua população vive condignamente. Só depois de se assegurar que todos têm acesso a cuidados de saúde, a alimentação e abrigo diariamente e sem qualquer problema, deveremos olhar para as outras falhas.
De que vale ter um metro ligeiro, se debaixo dos carris vamos ter os já famosos sem-abrigo do território? De que vale fazerem-se aterros e novas ilhas, se há pessoas que não têm dinheiro sequer para apanhar o autocarro para ali se deslocarem?
Falem de assuntos importantes e das pessoas a passarem por necessidades no quotidiano! Acabem com a feira de vaidades que é a Assembleia Legislativa! Os cidadãos que ali merecem estar de pleno direito podem contar-se pelos dedos de uma das mãos e todos sabemos quem são. Os outros é melhor voltarem para o lugar de onde vieram e, assim, darem a vaga a quem possa fazer algo construtivo para o bem comum.