Subtilezas de Macau
HÁ situações em Macau muito difíceis de entender. No último dia de apresentação das Linhas de Acção Governativa, em resposta às críticas dos deputados, relativamente à falta de qualidade das ligações à Internet no território, o responsável pelo Serviço de Regulação de Telecomunicações (DSRT) afirmou que a falta de concorrência no mercado local é o factor principal dessa baixa qualidade, e esta a óbvia razão que fez o Governo decidir avançar com o programa de Internet livre em vários locais da cidade. «Devido à falta de concorrência, as tarifas não correspondem às aspirações dos utentes. Por isso o Governo instalou o sistema Wi-fi Go», anunciou Tou Veng Keong.
Quando li as afirmações ainda fiquei inclinado a pensar que seria um erro de interpretação da minha parte; mas, depois de ver a notícia em vários locais, rendi-me à evidência.
Quando foi anunciado o programa «Wi-fi Go» do Governo, que disponibiliza dezenas de pontos em vários locais da cidades onde todos podemos aceder à Internet, bastando termos equipamento que use tecnologia «wi-fi» e registo na página do «Wi-fi Go», foi dito que tal se destinava a dar acesso à Internet a todos os residentes que, por uma razão ou outra, não tivessem oportunidade de ter uma conta privada.
Agora vêm-nos dizer que a criação do «Wi-fi Go» é para fazer frente à Companhia de Telecomunicações de Macau, o único fornecedor local de acesso à rede.
Esta medida implica, pelo menos, dois grandes aspectos negativos. O primeiro, o facto de ser o Governo a imiscuir-se em assuntos que nada lhe dizem respeito. Sendo Macau um mercado livre, o Governo não tem nada que fazer concorrência a empresas privadas. Se o objectivo é baixar os preços, o Executivo tem ao seu alcance medidas legais que lhe permitem controlar os preços, quando a situação do mercado o exige.
Além disso, sendo o programa «Wi-fi Go» uma iniciativa do Governo, que agora se sabe ter nascido para fazer face aos preços elevados praticados pelo único fornecedor, o que acontecerá ao programa quando a liberalização do sector for consumada em 2012? Irá o Governo desactivar o «Wi-fi Go» visto depois não ter qualquer utilidade? E sendo que o Governo está a oferecer acesso gratuito, prometendo ainda alargar mais a cobertura do sistema, não será isto contraproducente, relativamente à necessidade de captar investidores para a dita liberalização do sector?
Pessoalmente, se em minha casa tiver acesso gratuito devido à proximidade de um «hotspot» do Governo, não precisarei de contratar o serviço a uma empresa privada.
Ora, sendo obrigação do Governo tratar todos os residentes de forma igual, como se justifica que apenas se possa aceder gratuitamente em alguns locais de Macau, enquanto noutros os residentes tenham de pagar preços que são contestados?
A Lei de Imprensa
Não costuma ser meu apanágio enveredar por águas turvas e assuntos pouco claros. Contudo, o enredo que envolve a Lei de Imprensa que o Governo quer, a tudo o custo, reformular, não pode passar sem um comentário descomprometido.
Como sabemos, apesar de toda a tradição de Macau na liberdade de Imprensa e no jornalismo, não existe no território um estatuto que atribua aos profissionais da Comunicação Social uma identificação que, sem qualquer dúvida, os defina, de pleno direito. Esta lacuna da RAEM, gerada com o fim da emissão do cartão do Gabinete de Comunicação Social, que apesar de não ser o ideal dava para separar as águas, veio causar ainda mais confusão. Não havendo obrigatoriedade de identificação profissional, como diziam recentemente alguns profissionais do sector com provas dadas, qualquer funcionário de um Órgão de Comunicação Social se pode apelidar de jornalista, desde o condutor ao empregado de limpeza. Afinal, trabalham todos para o mesmo fim! Assim como, não havendo leis ou códigos deontológicos, pode haver jornalistas que, ao mesmo tempo, fazem publicidade ou assessoria de Imprensa…
A verdade é que em Macau se torna necessário, de uma vez por todas, uma clarificação do que é ser jornalista e de quem pode ostentar o título. Se o não souberem fazer, vejam o de Hong Kong, que tem um bom exemplo há vários anos.
O Governo, tendo como objectivo latente reformar a Lei de Imprensa, convidou (não se sabe a que preço) um especialista em sondagens deliberativas (vá-se lá saber muito bem o que isto é).
O prof. James Fishkin, director do Centro de Sondagem Deliberativa da Universidade de Stanford, veio a Macau realizar pesquisas, tendo em vista a reforma da lei. Como aconteceu no primeiro encontro, contava com sandes, «lai sis» e outros atractivos, para levar as pessoas ao local, a fim de responderem a umas perguntas e apresentar sugestões. Num universo de 300 almas, trinta eram da área da Comunicação Social. Mas isto não é o mesmo que dizer que eram jornalistas.
Peço imensa desculpa, se estou a ferir a susceptibilidade de alguém. Concordo que a população seja tida e achada em muita coisa. Mas, sinceramente, na Lei de Imprensa, devido à sua tão grande especificidade, não acredito que o sr. Zé ou a sra Maria, que vivem na Areia Preta e que nem lêem jornais, estejam minimamente preparados para opinar sobre o assunto.
O que virá a seguir? Uma sondagem deliberativa para a reforma do Regime Jurídico da Função Pública? Ou do Código Civil?
Jornalistas, sim, com carteira emitida em Macau pelas associações de jornalistas, ou pelas suas congéneres estrangeiras, e reconhecidas pelo GCS ou por uma instituição privada por este avalizada.
Quanto à lei, chamem os jornalistas, depois de os terem acreditado condignamente, e juntem uma equipa de juristas de língua portuguesa e chinesa para trocarem ideias e formularem a nova versão da lei.
Quanto à população, continuem a dar-lhes brindes e deixem-nos em paz!