Espaços mal geridos
EM Macau somos mais de meio milhão e a quantidade de residentes permanentes e não permanentes cresce de dia para dia. Mesmo sem os incentivos de compra de casa para aquisição de residência permanente, a verdade é que, mensalmente, o número de pessoas autorizadas a permanecer no território tem vindo a aumentar.
Cresce o número de pessoas num espaço que não alarga a sua área desde há muitos anos. Mesmo com os anunciados aterros, temo que o problema se mantenha, visto que quem aqui vive não poderá ser transferido, de armas e bagagens, para as ilhas artificiais que por aí andam a ser construídas.
A agravar esta situação estão os milhões de turistas que nos visitam e inundam tudo quanto é rua, ruela, praça ou qualquer outro espaço disponível. Acreditem que se encontram turistas nos locais mais inesperados!
Sabemos que este problema é um mal que temos de suportar, visto a nossa Economia depender, estrategicamente, de quem debanda aos casinos de Macau para aqui deixar as patacas (melhor dizendo, os dólares de Hong Kong porque, incrivelmente, nos casinos de Macau não se aceitam patacas! Deve ser dos únicos locais do mundo com moeda local, em que o seu próprio dinheiro não é aceite...). O número de jogadores que se sentam nas mesas de jogo é quase proporcional ao número de turistas, pelo que, se queremos jogadores para manter a Economia do território, temos de receber visitantes num número ainda maior ao actual.
Quando falamos em mais de meio milhão de residentes, e dos milhares de turistas que diariamente se acotovelam nas ruas de Macau, falamos na necessidade de políticas de gestão dos espaços públicos, que façam frente a este problema.
Macau tem uma praça principal (o Largo do Senado), que rivaliza em popularidade com as Ruínas de São Paulo. Aliás, ambas estão incluídas nas rotas do Património Mundial e são pontos obrigatórios de passagem para quem passe por Macau. São muitos os turistas que aqui se deslocam, no intervalo entre a mesa do bacará e a máquina de caça-níqueis, apenas para «bater» umas fotografias, servindo a famosa calçada à portuguesa de tapete e o casario típico de pano de fundo.
Locais como o Largo do Senado, as Ruínas de São Paulo, o Largo do Pagode da Barra e outros similares não se coadunam com a sua utilização para outros fins, que não seja o de serem locais de visita para quem procura algo que não encontra em mais nenhum local da Ásia: a mistura de culturas, a miscigenação de raças, os costumes e a arquitectura, gerados por vários séculos de convívio.
A recorrente utilização do Largo do Senado, para tudo quanto é evento, começa a assumir dimensões preocupantes. Diariamente são ali realizadas manifestações, exposições e outras actividades que deveriam, há muito, ser direccionadas para outros locais.
Havendo, felizmente, o Direito da livre manifestação em Macau, devia ser o Governo o primeiro a dar o exemplo, deixando de organizar eventos na praça. Pois só assim terá hombridade moral para exigir que as iniciativas de cariz particular sejam canalizadas para outras zonas.
Não fica bem na fotografia de quem nos visita ver um grupo de idosos a gritar e a empenhar bandeiras, reivindicando qualquer direito que considerem estar a ser violado. Também não nos é favorável haver painéis e palcos para festas ou outras iniciativas patrocinadas por tudo quanto é departamento do Governo, ou ainda indivíduos vestidos com trajes tradicionais – mais apropriados para peças de ópera chinesa – a queixarem-se de uma qualquer entidade privada. Tenham paciência! Há regras para tudo, incluindo o direito de manifestação, desde que utilizado com bom senso.
Recentemente foi organizado um evento (salvo erro de promoção de locais turísticos da China continental), que só não decorreu mesmo em cima da passadeira da Avenida Almeida Ribeiro porque o Departamento de Trânsito da PSP não terá dado autorização e porque os organizadores nem devem ter conseguido contratar uma seguradora que se responsabilizasse pelos danos que daí poderiam advir!
À hora de almoço e ao final do dia realizou-se um espectáculo gratuito no local. Os peões tentavam entrar na praça, depois de atravessarem a passadeira, mas o local de passagem era tão exíguo que as pessoas atropelavam-se para chegar ao Largo do Senado. A juntar à «festa», dezenas de prestáveis promotores do evento distribuíam panfletos, posicionando-se de forma estratégica. Resultado: o cenário mais parecia o de uma cerca de ovelhas, daquelas que se usam para fazer os animais passar ordeiramente, uns atrás dos outros, para mais facilmente poderem ser contados.
Este cenário repete-se ao longo de todo o ano. No Leal Senado, são exposições, palcos e manifestações; no Largo do Pagode da Barra, são espectáculos de ópera que ocupam toda a zona livre; junto das Ruínas, são painéis promocionais que em nada abonam para o bom nome da terra, nem do que intencionalmente promovem e, ainda, vendedores de carnes secas e biscoitos que, se não tivermos cuidado, nos enfiam, literalmente, os seus produtos goela abaixo.
Com tudo isto, sai a perder Macau e a sua imagem, porque quem nos visita (já para não falar nos cidadãos que deveriam estar sempre no primeiro lugar das preocupações do Governo) não consegue entender a razão de vários departamentos estatais autorizarem tamanhos atentados ao bom senso.
Espero que, de uma vez por todas, alguém com dois dedos de testa decida meter cobro a estas situações e devolva, pelo menos estes três locais às suas finalidades originais.
As outras iniciativas podem, e devem, ser canalizadas para outras áreas.