AS eleições para a Assembleia Legislativa foram a novela que todos sabemos. Os atrasos na divulgação dos votos, as confusões com os cartazes das listas, os almoços, jantares, autocarros e outros acessórios fizeram do evento algo de colorido, muito à maneira de Macau. Se não estivéssemos habituados, ainda poderíamos considerar tudo isto digno de um país do terceiro mundo, mas, como se diz nesta terra, «Macau sã assi».A minha opinião acerca de tudo isto é muito privada e não caberia aqui estar a divulgá-la, mas como o Chefe do Executivo se manifestou recentemente acerca da contagem dos votos nulos, achei que também poderia manifestar a minha abertamente.
É incompreensível como é que Edmund Ho, em fim de mandato, vem a público dizer que as pessoas que não cumpriram a Lei (a Comissão Eleitoral e a Assembleia de Apuramento Geral) não têm de ser chamadas à responsabilidade porque, «no final de contas, tudo correu bem»!
Os factos são muito claros. Os votos nulos foram validados por aquelas duas instituições, sendo, depois, devido a recurso interposto judicialmente por algumas listas, considerados inúteis pelo Tribunal de Última Instância. Portanto, a entidade judicial máxima da RAEM considera que o acto foi ilegal. Sabe-se quem o praticou (pelo menos sabe-se de quem é a responsabilidade institucional) e nada acontece?
Apontam o dedo ao facto dos eleitores não saberem onde deviam meter o carimbo. No entanto, não me lembro de ter visto na comunicação social qualquer campanha de educação sobre a forma de votar. Algo que se justificava, visto ter sido a primeira vez que o sistema de carimbo era utilizado.
Mas Edmund Ho não está sozinho nesta campanha de perdão institucional. A ele juntou-se o Comissário Cheong U, dizendo que tudo correu dentro do normal, mesmo tendo o CCAC recebido quase 350 queixas relativas a este processo eleitoral.
É mesmo Macau!
É incompreensível que, num local onde existem leis e onde o primado da lei é uma das pedras basilares da nossa sociedade, se possa deixar passar incólume este tipo de situações. A verdade é que dois organismos de fiscalização não fizeram o seu trabalho e causaram prejuízos a um processo eleitoral que se queria transparente. Em última instância, quando não se pode ou não se quer apurar em pormenor o responsável pelo erro, é o chefe máximo que o deve assumir. Assim mandam as regras de um bom chefe: quando os seus subordinados falham e não se pode identificar quem foi, é o chefe que, por uma questão de honorabilidade, deve chegar à frente e assumir toda a responsabilidade.
Seria impensável em qualquer outro local acontecer uma situação desta natureza e continuar tudo na mesma. Olhe-se, por exemplo, para a situação que se passou durante a campanha eleitoral em Portugal e da polémica em torno das suspeitas de escutas telefónicas ao pessoal da Casa da Presidência da República. Ainda não se sabendo ao certo se é, ou não, verdade, o assessor do Presidente foi já demitido visto ter sido identificado como o responsável directo da informação. Mesmo que não tenha sido ele quem deu a informação à imprensa, a responsabilidade final é dele, porque está no âmbito das suas atribuições.
Aqui por Macau começa a tornar-se hábito pessoas com responsabilidade não assumirem as suas próprias responsabilidades quando acontecem erros crassos. É de justeza de carácter que se fala.
Quando um dirigente não tem frontalidade e carácter para assumir a responsabilidade por algo que correu mal sob a sua alçada, que mais se poderá pedir dessa pessoa ou, em última instância, desse sistema

