Desta feita falo de algo que vi muito longe de Macau mas que, sinceramente, poderia ser visto em qualquer esquina da RAEM.
"ESTIVE fora de Macau quase um mês e deu para me aperceber que o que muitas vezes criticamos não é exclusivo do local onde vivemos. Há em mim uma faceta que detesta, de todas as formas, qualquer tipo de danificação de bens públicos, fazendo de mim, à partida, um acérrimo defensor da não proliferação da arte do «grafitti». Gosto de arte, aprecio pintura de rua (sendo ela mesmo algumas vezes de «grafitti»), mas deve ter bom gosto e ser apelativa para os meus olhos. Quando se trata apenas de meia-dúzia de riscos ou efémeras declarações de amor, não considero isso arte, mas apenas uma falta de respeito para com a propriedade que é de todos.
Em Macau há uma franja da sociedade, e cada vez maior, que se dedica a este tipo de manifestação artística (como lhe chamam). Os exemplos espalhados pela cidade são mais que muitos e todos eles de muito mau gosto. Raras são as excepções em que se pode dizer que o trabalho final é apelativo.
As autoridades têm feito o que podem para tentar evitar que estes artistas danifiquem o que é propriedade pública. As campanhas têm sido sucessivas e estão previstas mesmo coimas para quem seja apanhado a transgredir os regulamentos. No entanto, a fiscalização que é feita é insuficiente. Sabendo-se que na sua maioria estes trabalhos são feitos pela calada da noite, a fiscalização que é feita diariamente torna-se infrutífera. Mesmo as patrulhas da polícia, que circulam de carro toda a noite, acabam por ser pouco produtivas porque, na sua maioria, os locais por onde passam não são os mesmos onde estes artistas dão azo à sua inspiração.
Diria que os autocarros, como já muitos de nós reparámos, há muito que são «laboratórios de treino» para estas pessoas. Usam as costas dos assentos para escrever e desenhar, como se de um caderno de papel cavalinho se tratasse. Daí, penso eu, passam para os taludes das obras e depois para as fachadas de edifícios históricos.
Apesar de nos queixarmos, este problema, no entanto, não é exclusivo de Macau. Todas as grandes cidades, especialmente europeias e americanas, vivem com este suplício há muitos anos. Trago-vos o exemplo de Paris, onde escrevi este artigo e onde os autocarros, metro e paredes de tudo quanto é edifício no centro da cidade, e até mesmo os caixotes do lixo, são «atacados» por estes artistas da noite.
À semelhança de Macau, também em Paris parece ser pouca a sensibilidade dos turistas e dos cidadãos, em geral, para preservar o património histórico. Em todas as visitas que fiz, tive a oportunidade de ver registos de quem por lá tinha passado antes de mim. Vi inscrições e desenhos dos quatro cantos do mundo. Para exemplificar, deixo-vos duas fotografias de um exemplo na língua portuguesa e outro numa língua asiática, deixados na escadaria de acesso à cúpula na Basílica do Sagrado Coração de Montmarte. As próprias autoridades francesas, assim como os próprios residentes de Paris com quem tive oportunidade de trocar impressões, mostram-se indignados com este comportamento, mas dizem-se sem capacidade para o resolver.
É tudo uma questão de educação, diziam-nos. E é verdade. Isto não passa senão de um problema de educação, ou melhor, como me disse uma senhora parisiense já idosa, de falta de educação, porque para expressões artísticas, mesmo no caso de «grafitti», em Paris há instalações disponíveis para quem se queira expressar dessa forma.
Com efeito, eu próprio tive oportunidade de visitar um desses locais (onde não me foi permitido fotografar, devido às preocupações com os direitos de autor das obras em elaboração) e fiquei a saber que todos são livres de ali entrar, registar-se e dar asas à sua imaginação da forma que entenderem. Sem qualquer restrição ou linha mestra imposta pelas instituições estatais. O local, apesar de ser apoiado pelo Governo (pela Câmara Municipal de Paris) era cedido por um privado, ao abrigo da lei do mecenato. Algo que, em Macau, muitos empresários estariam interessados em fazer, se de tal tirassem proveitos fiscais.
As cidades não são assim tão diferentes umas das outras. Seja na Europa ou na Ásia, as preocupações são as mesmas e os anseios da população também. É tudo uma questão de educação."
Para ler n'O Clarim de hoje juntamente com muito mais...