RECENTEMENTE, ao ler um artigo publicado por uma advogada brasileira, fiquei com a impressão de ver aí retratada a sociedade de Macau. Quando me dediquei a digerir o que tinha acabado de ler, lembrei-me de afirmações de Carlos Morais José, feitas recentemente, acerca da infantilização da sociedade e dos benefícios que isso traz para as camadas governantes. Em Macau é conveniente ter-se uma sociedade infantil, pois assim ela pode ser manipulada e moldada de forma a que aceite tudo o que o Governo decida.
A verdade é que, quanto mais os membros da sociedade se comportam como crianças, mais fácil se torna para o Governo controlá-los e influenciá-los. E, em Macau, esses comportamentos são cada vez mais visíveis, sejam eles nos «Hello Kitty’s» ou nos carros cheios de bonecos e outras decorações dignas de um quarto de criança, seja nos comportamentos que se vêem à mesa dos restaurantes, ou nos tópicos de conversas entre pessoas adultas à mesa do café. Ou, em casos mais severos, na falta de capacidade para conjecturarem sobre o futuro e sobre o que querem para as suas vidas.
Este fenómeno não é recente e o seu estudo já se arrasta desde o século XVII, quando o filósofo alemão, Immanuel Kant, o abordou dizendo que «a menoridade é a incapacidade de fazer uso do seu entendimento sem a direcção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a sua causa não estiver na ausência de decisão e coragem de se servir de si mesmo sem a direcção de outrem».
Passados três séculos, é incrível como estas palavras continuam muito actuais e visíveis em Macau, assim como em toda a Ásia. Na Europa, aparentemente, tal se faz sentir noutros moldes.
No mesmo texto de autoria brasileira lia-se que «a infantilização do adulto, ou seja, o processo tendente a infantilizar e manter a pessoa infantil, sem capacidade de raciocínio claro, sem opinião própria decorrente do seu próprio entendimento, interessa aos Governos que pretendem induzir as pessoas a acreditarem no que eles querem que acreditem, mesmo sem lógica e sem coerência. Isso começa pelos discursos, pela demagogia e pela publicidade muitas vezes hipnótica, sempre rebaixando a mentalidade, como se fôssemos todos destituídos de raciocínio e de capacidade de entendimento».
Aqui em Macau juntam-lhe cheques e outros doces, como quem dá um saco de rebuçados a uma criança, para que ela deixe de choramingar. Lembram-se de alguém tentar convencer os funcionários públicos de que os aumentos não teriam retroactivos, porque o orçamento não teria capacidade de os cobrir? Como? Então o Governo nunca consegue gastar o orçamento anual e seriam agora uns meros retroactivos que nos iriam levar à bancarrota?
Durante a leitura vinham-me à cabeça os pandas e todo o carnaval feito à sua volta: os pandas que até falam como pessoas! E as publicidades infantis que nos ensinam como lavar as mãos e como escolher o que comprar e os diálogos infantis que se lêem e ouvem na Comunicação Social local.
Basta olhar para a publicidade que nos é impingida na televisão local (e na de Hong Kong no que diz respeito a publicidade institucional, porque a de empresas privadas, nomeadamente de cariz ocidental, até tem qualidade), em que somos todos tratados como crianças sem inteligência, para as quais se tem de recorrer ao uso de bonecos animados e discursos infantis, para fazer passar a mensagem.
Este processo, como dizem os estudiosos, é vantajoso para Governos que querem manietar a sociedade, de forma que esta seja dócil e fácil de convencer. No entanto, a longo termo, os riscos são muito elevados, visto que essa geração se tornará completamente inútil no que diz respeito a liderança.
Em Macau, daqui a dez ou vinte anos, os jovens, que agora são bombardeados com mensagens infantis e que entram na sua fase de jovens adultos a comportarem-se como se tivessem dez anos, não irão estar minimamente preparados para tomar as rédeas do poder e de liderança deste território.
Segundo Kant, a única saída para este ciclo vicioso é a «transformação do espírito», isto é, a mudança de mentalidade e o acordar da população, rejeitando tudo o que o Governo e as autoridades lhes tentam impingir. Só assim poderão «emergir da menoridade e empreender uma marcha segura», tendo como resultado final adultos seguros de si e com ideias próprias e construtivas.
Um adulto infantilizado perde a sua liberdade e, com ela, a vida que poderia viver com «maturidade, gratificação, aperfeiçoamento de si mesmo, prejudicando assim suas relações afectivas, sociais, profissionais».
A sociedade de Macau caminha perigosamente para a infantilização, e ninguém parece estar preocupado com isso. No entanto, basta-nos olhar para o outro lado da fronteira. Na China, com todos os problemas que se lhe podem apontar, sendo um país comunista onde faltam grande parte das liberdades, nota-se que a sociedade não «necessita de protecção a esse ponto». Basta ver que as publicidades e os discursos dos seus líderes são muito mais sérios e, gostando-se ou não da ideologia, cheios de significado.
Aliás, barreiras ideológicas à parte, os jovens do outro lado da fronteira que vêm trabalhar para Macau estão muito melhor preparados dos que os locais. Falam mais línguas, têm mais conhecimentos e, acima de tudo, têm personalidade e sabem o que querem, sem medo de tomarem decisões.
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