«Mãe África» |
SE me perguntarem o que senti na minha primeira viagem a África, a resposta será um imensurável prazer de liberdade e uma sensação de espaço infinita. A paisagem, mesmo antes de pisar a terra, é de tal forma vasta e avassaladora que nos faz sentir como se estivéssemos chegado a «casa» e fossemos recebidos de braços abertos. Mesmo sem grandes ligações ao continente africano, tirando o pequeno detalhe do meu pai ali ter vivido grande parte dos primeiros anos da sua vida adulta, como enfermeiro militar, há aqui (ainda estava em África quando comecei a escrever esta crónica) um magnetismo inexplicável que nos atrai de forma intensa, e com uma razão que dispensa explicações. Aliás, estas seriam difíceis de encontrar e de traduzir em palavras.Possivelmente quem ali viveu sabe do que falo melhor do que eu. O vermelho da terra, o pôr-do-sol penetrante, a poeira amarelada que cobre tudo, como um manto que aconchega a criança numa noite de frio. Tudo isto, juntamente com o calor humano que se encontra, faz da experiência algo difícil de esquecer e, acima de tudo, profundamente marcante. Por muito que tente encontrar uma forma simples de explicar o que senti, e que ainda sinto (mesmo agora estando a continuar a escrever esta crónica já sentado no banco do avião num voo de 12 horas e a 36 mil pés de altitude algures sobre o Índico), apenas consigo dizer que é um sentimento algo materno, como aqueles sentimentos que ligam mães e filhos (mais do que aos pais), mesmo que separados à nascença. Um cordão umbilical que apenas encontra explicação e razão nos especialistas que defendem ser África o «Berço da Humanidade». A «Mãe África» que deu origem a toda a raça humana que, a partir desses planaltos imensos, partiu para popular o mundo. A minha primeira experiência de África foi Moçambique. Uma estadia de quatro dias que me fez visitar a capital Maputo, antiga Lourenço Marques, e a distante Lichinga (antiga Vila Cabral), lá perto desse grande lago que é o Niassa (disseram-me que o terceiro maior de África, mas que a mim me pareceu um oceano), que aos nossos exploradores mais deve ter parecido o mar, mas com água doce. Maputo, todos nós já ouvimos falar e vimos imagens na televisão. É uma cidade, capital, como muitas outras, onde nada falta e onde a toda a hora se encontra um mundo de gente com todos os problemas que isso traz. Já Lichinga é «África»! Terra vermelha, pó quando o vento levanta, muita chuva quando os deuses assim o decidem, casario térreo (o 24, o prédio mais alto da cidade, tem apenas quatro andares!) e ruas geometricamente traçadas desde que os portugueses ali decidiram «fazer» uma vila. À volta existem hoje muitas aldeias que, a pouco e pouco, vão passando a ser parte da cidade e a ver as suas palhotas substituídas por casas de alvenaria. Lichinga é a capital da província do Niassa, a maior de todo o País e também a mais isolada. Pelo que ouvi do presidente do Conselho Municipal, Lichinga é a única capital provincial que não tem ligação por estrada com a capital. Existe, porém, ligação aérea e, em breve, frequentes e fiáveis viagens de comboio. No entanto, pegando nas palavras do presidente do Conselho Municipal, para desenvolver o potencial da província é essencial haver um cordão umbilical rodoviário à capital para escoar os produtos e pessoas. Mas não me quero perder em descrições dos problemas burocráticos do Niassa. O meu propósito é mesmo falar-vos da «minha» África. São sentimentos de uma primeira experiência, provavelmente como os amores de criança, apesar de quase todos os que se aperceberam disso me dizerem que ficará para toda a vida. «Não há amor como o primeiro» disse sem conta um dos amigos que fiz por ali nesta deslocação oficial. Confesso que, mesmo sem antes ter ido a Moçambique, já me sentia apaixonado pela terra através das estórias contadas pelo meu pai e das experiências que ali viveu ao longo de vários anos e que me habituei a ouvir desde que me lembro de ser gente. Desde tenra idade que sei que tinha de ser algo de muito especial porque, até hoje, guarda lá amizades que não vê há décadas, mas que o tempo não enfraqueceu. Isso tive a oportunidade de viver na última noite em que fiquei no hotel Avenida. Ao chegar de ver o Benfica perder com o Barcelona, (apesar de ser simpatizante dos encarnados deu-me algum prazer a derrota, porque esta trouxe umas bombas de gasolina da GALP para Lichinga, resultado de uma aposta de teimosia que tinha sido feita na brincadeira por um alto dirigente da GALP, na presença de todos nós, com o antigo governador do Niassa) alguém me interpelou na entrada do hotel, sem nunca me ter visto ou falado, mas sabia perfeitamente quem eu era. Pois, segundo me disse, era a cara do meu pai há 40 anos. Um senhor que eu nunca tinha visto e que me recebeu como fosse seu filho, pois via em mim o amigo que não encontrava há décadas. Falta dizer que nessa última noite não dormi. Ficámos horas no bar do hotel a falar, ou melhor, eu a ouvir estórias de tempos passados, contadas como se tivesse sido eu um dos intervenientes e delas me tivesse esquecido. Era o outro eu, só que há quarenta anos! Sinceramente, agora regressado e com tempo de pensar em tudo o que vivi em quatro dias, não me admiro de me ter sentido em casa no leito da «Mãe África» e no caloroso abraço dos nossos irmãos. |
Como blog estaremos aqui para escrever as nossas opiniões, observações e para que quem nos visite deixe também as suas. Tentaremos, dentro das possibilidades, manter este local actualizado com o que vai acontecendo à nossa volta em Macau e um pouco em todo o lado...
terça-feira, 11 de dezembro de 2012
«Mãe África»
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