Símbolos portugueses desaparecem
CIRCULA por mensagem electrónica, há já algum tempo, uma acusação sobre o Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau. Na mensagem chama-se à atenção para o que foi feito às versões digitais (em versão PDF) das publicações anteriores a 20 de Dezembro de 1999, ou seja, as publicadas sob Administração Portuguesa e que ostentavam o símbolo da República Portuguesa no topo da primeira página.
Pelo que consegui constatar antes de contactar a Imprensa Oficial, à semelhança do que aconteceu em muitos dos edifícios públicos do território, também as páginas do Boletim Oficial em versão digital se viram limpas dos símbolos portugueses.
A medida não é recente, mas só agora mereceu alguma atenção com a sua circulação na Internet. Em resposta a um pedido de esclarecimento enviado à Imprensa Oficial, foi-me respondido o que passo a citar na íntegra, para evitar diferentes entendimentos: «A página electrónica da Imprensa Oficial como sendo uma página electrónica do Governo da Região Administrativa Especial de Macau, só apresenta em circunstâncias normais o Emblema Regional da RAEM.
Desde o ano de 2007, a Imprensa Oficial começou a disponibilizar gradualmente, na sua página electrónica, as legislações publicadas antes do estabelecimento da RAEM e os documentos correlacionados.
A respectiva versão em formato PDF só inclui parte do conteúdo constante dos Boletins Oficiais publicados durante aquele período. A versão em formato PDF destina-se apenas a facilitar a consulta da legislação e do respectivo conteúdo por parte dos cidadãos, não constituindo um arquivo integral ou histórico da sua versão impressa».
Portanto, pela explicação, percebe-se que apenas a partir de 2007 temos as versões da Administração Portuguesa disponíveis na Internet. E que as mesmas não estarão disponíveis na sua totalidade e na íntegra, porque não se trata de um repositório histórico, mas apenas de consulta fácil.
Compreende-se que tenha sido trabalhoso digitalizar todos os números do Boletim Oficial anteriores a 20 de Dezembro de 1999. E, pelo que se pode ver na imagem que publicamos, a trabalheira deve ter sido ainda mais complexa porque se deram ao trabalho de digitalizar as primeiras páginas, indo depois apagar o símbolo de Portugal. Ou será que a digitalização foi feita com um digitalizador especial que excluía, automaticamente, aquilo que não interessava a alguém? Porque as versões digitalizadas, posteriores a 1999, ostentam o símbolo da RAEM no local onde as anteriores a 20 de Dezembro do mesmo ano tinham o de Portugal.
Se fosse a inexistência das primeiras páginas, onde se encontra o símbolo de Portugal, ainda se percebia. No entanto, não é disso que se trata. A primeira página está disponível e, num acto deliberado e que deve ter demorado muito tempo, devido à imensidão de números que foram publicados, foi-lhe obliterada apenas a parte do símbolo.
A confirmar-se que foi uma acção concertada, é de lamentar e não consigo perceber como é que alguém tenha ordenado procedimento semelhante. Tanto mais que a acção tem mais de caricato do que de sério. Trata-se, realmente, de um «episódio que não lembraria nem ao diabo», como se costuma dizer na gíria popular.
Se a intervenção para remover os símbolos e nomes dos edifícios históricos roçou o ridículo, o ataque às páginas do Boletim Oficial nas versões PDF só pode ser brincadeira de quem tem algum ódio ressabiado e reprimido!
O Governo deveria tomar medidas e averiguar a fundo o que se passou, porque tentar apagar a história é algo muito grave. Foi maior o desperdício de meios e dinheiro para apagar o símbolo do que se o tivessem mantido, pelo que se torna importante saber quem ordenou tal trabalho e o uso de verbas públicas.
Macau, como se prova pela inclusão na lista do Património Mundial da UNESCO, só tem que se sentir orgulhoso do passado que tem. Não fosse a presença do poder lusitano nestas paragens durante quase cinco séculos e não existiria justificação para a distinção das Nações Unidas. Macau seria igual a qualquer local do outro lado da fronteira.
O facto de tentarem apagar a história faz lembrar alguns incidentes no interior da China, aquando da Revolução Cultural, altura em que tudo o que fosse estrangeiro era considerado burguês; logo, de acordo com os preceitos fundamentalistas da altura, condenável e alvo de destruição. Assim se perdeu muito do que havia de histórico na China, tanto de origem ocidental, como até dos períodos anteriores ao poder comunista. Hoje em dia, mentes mais esclarecidas do Governo Central consideram que foi um erro tremendo ter-se enveredado por essa via e tentam remendar o que ainda é possível recuperar.
Em Macau, passadas muitas décadas sobre os erros cometidos no interior da China, até parece haver quem queira continuar a fazer o mesmo, apagando os vestígios do passado.
Nos últimos anos, tem-se notado uma regressão e uma tentativa de remediar os excessos cometidos nos primeiros anos de Região Administrativa Especial, voltando-se a usar as denominações originais dos edifícios. Basta ver a lista oficial do Património Mundial da UNESCO para verificar que os nomes antes de 1999 são os que foram reconhecidos. O edifício do Leal Senado é disso exemplo.
O Boletim Oficial não faz parte da distinta lista, mas, como qualquer outro documento, é parte integrante da história do território e fonte importante para quem queira estudar o passado. Ali são publicados todos os acontecimentos políticos da vivência desta terra, que mais tarde podem servir para ajudar a compreender o dia-a-dia da vida em Macau.
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