Jovens apostam em sector tradicional
NÃO será preciso muita imaginação para se olhar para Macau e conseguir ver que, em tempos idos, esta foi uma cidade piscatória e com tradições na indústria do mar.
O facto de viver virada para a água e existirem excelentes condições naturais para protecção das embarcações, em caso de intempéries, fez do território um local natural para acolher pessoas que viviam do que o mar lhes dava.
Aliás, Macau foi escolhido pelos portugueses por se tratar de uma «aldeia» piscatória que lhes poderia dar condições para secar a carga que tinha ficado molhada numa tempestade, segundo nos relatam os registos históricos da chegada dos Portugueses ao sul da China.
Num passado não muito distante existia por aqui uma significativa população flutuante, no real sentido de viverem em cima da água, em embarcações de pesca. Assim como existia uma indústria da pesca e de construção naval com algum peso na economia local. Hoje, infelizmente, tudo isso mudou e o declínio é cada vez mais evidente.
Se os barcos de pesca escasseiam e são cada vez menos de ano para ano, já a indústria de construção de juncos de pesca e reparação de barcos desapareceu completamente há mais de uma década. O último barco saiu dos estaleiros de Lai Chi Vun, em Coloane, ainda sob a administração portuguesa. Toda a área da aldeia parece agora estar destinada a ser demolida, para dar lugar a um empreendimento habitacional de luxo, segundo algumas fontes não oficiais locais, mas negado pelo Governo.
Com o custo da mão-de-obra crescente, a par com a melhoria do nível de vida no território, resultado da explosão do sector do jogo, as lides tradicionais ligadas ao mar mergulharam na agonia, levando centenas de pessoas a mudar de profissão ou a terem de manter-se num sector pouco produtivo e a passarem amarguras para sobreviverem diariamente, sem qualquer apoio ou compaixão do Governo.
Na zona das pontes cais, ao longo daquilo que conhecemos como Porto Interior, havia diversas lojas e oficinas que se dedicavam a actividades de suporte do sector marítimo. Ainda hoje é possível ver as tabuletas a anunciar acessórios e apetrechos marítimos para manutenção das embarcações. Contam-se pelos dedos de uma mão as que ainda se mantêm em actividade, tentando sobreviver. A grande maioria fechou ou mudou de ramo de actividade.
As críticas de quem teima em não fechar as portas são recorrentes e centram-se no facto do Governo nada fazer para apoiar este sector tradicional de Macau, nem estar interessado em preservar o Porto Interior, prestando assim apoio às pessoas que sempre ali viveram e trabalharam. Perdem-se tradições e um modo de viver muito peculiar de uma cidade ribeirinha.
Apesar da falta de mão-de-obra especializada, da pouca vontade dos mais novos em aprender as lides antigas, alguns empreendedores locais decidiram apostar e avançar com um projecto ambicioso. Talvez uma pequena luz no fundo do túnel.
Um pequeno grupo de filhos destes resistentes está a fazer a surgir uma nova vaga de jovens para reavivar o sector, de modo que as tradições dos seus antepassados, mas também de Macau, não se percam e continuem a ser fonte de sustento para várias famílias. Têm formação superior e trazem ideias novas, apostando numa outra área que pode vir complementar a actividade tradicional.
Com uma visão mais abrangente, tentam manter a tradição, direccionando a oferta dos serviços e dos conhecimentos dos seus familiares ainda activos para um sector que acreditam ser o futuro para a RAEM e para a sobrevivência das suas raízes familiares.
Terminada a pesca e a frota que a ela se dedicava, viram-se agora para a náutica de recreio, oferecendo os serviços dos anos de experiência dos seus pais e avós aos proprietários de barcos de lazer, que têm Macau como porto ou que por aqui passam todos os anos, vindos de outras marinas da região do Rio das Pérolas.
O facto destes jovens estarem apostados em fazer renascer das cinzas uma indústria quase extinta poderia passar despercebida, caso se passasse em Hong Kong. Na região vizinha há uma indústria semelhante que evoluiu da mesma forma há várias décadas e que tem um peso considerável na economia local. Em Macau é exemplo único e, por tal motivo, deve ser apadrinhado, promovido e seguido por outros.
A empresa Pak Keong Navio, sob a gerência do jovem Vicent Chow, formado pela Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, aposta forte neste sector da manutenção virada para a náutica de entretenimento e lazer.
Apercebendo-se do declínio do mercado tradicional em Macau e tomando as rédeas da empresa familiar, Vicent decidiu arregaçar as mangas e procurar parceiros de confiança do outro lado da fronteira, para aí lhes fornecer os serviços que em Macau, pelas óbvias limitações de espaço, não podem ser efectuados. Refiro-me, nomeadamente, a trabalhos em grandes embarcações de recreio e que envolvam outros meios tecnológicos, como nos explicou o jovem empreendedor, fazendo questão de frisar que a qualidade, seja em Macau ou na China, estará sempre garantida, como sendo o ponto de honra no trabalho prestado pela Pak Keong Navio. A qualidade terá de ser sempre o cartão-de-visita de todo o serviço prestado, quer seja pela Hai Wei Boat Building, – a parceira responsável pelos trabalhos de fibra de vidro e embarcações de recreio mais pequenas, – quer seja pela Guangzhou Panyu Lingshan Shipyard, – uma das maiores empresas do sector na China – e pelo parceiro que ficará responsável por projectos de maior dimensão e de barcos em alumínio ou outros materiais que não fibra de vidro.
Depois de alguma pesquisa junto do sector em Macau, apurámos que esta é a primeira empresa local a apostar em sair do antigo sistema e a tentar um mercado que aparenta ser promissor. O facto de ser pioneira trará frutos óbvios mas, certamente, outros jovens irão aproveitar e apostar neste mercado, caso o primeiro exemplo vingue. O mercado desta zona do Delta terá capacidade para absorver mais do que uma empresa, desde que o serviço oferecido prime pela qualidade.
Macau tem um mercado de náutica de lazer em crescimento que deveria merecer o apoio do Governo. A actual Marina do Lamau está desactualizada e é desadequada para as exigências dos utilizadores. Não há pontões disponíveis e a legislação de Macau não permite (pelo menos, directamente) que privados fundeiem barcos de lazer fora da marina do Lamau, ao contrário de Hong Kong, onde se pode requerer autorização para usar os fundeadouros regulados pela Port Authority.
Estes jovens empreendedores da Pak Keong Navio, além de terem tido a capacidade de virar uma empresa tradicional, que vivia em agonia, num negócio que parece ter futuro, tiveram também a visão de oferecerem um serviço virado para a comunidade expatriada. O facto de dominarem a língua inglesa e de terem vários contactos fora da esfera chinesa e de estarem a par de todas as tecnologias do momento, faz com que o relacionamento com a comunidade não falante de cantonense se processe de forma natural, fazendo a ponte com a oficina, ou a loja, que pode fornecer o serviço.
É positivo para o mercado da náutica de lazer e para este sector tradicional de Macau que surjam iniciativas como esta. O facto de serem jovens a avançar deixa antever que, ao contrário do que se pensava há uns anos, o futuro pode ser mais risonho.
O primeiro passo parece estar dado. Agora cabe também ao Governo, através dos departamentos ligados a este sector, dar o apoio necessário para apadrinhar e estimular estes jovens empreendedores.
De referir que a Pak Keong Navio vai estar presente, com os seus parceiros da China e locais, na primeira feira de náutica de recreio aqui organizada, a ter lugar na Doca dos Pescadores, de 27 e 30 de Outubro, onde vão ter em exposição vários barcos e exemplos dos serviços que podem fornecer aos seus clientes. Uma oportunidade para ver o que podem fazer e para os interessados poderem contactar directamente os responsáveis do novo sector.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Obrigado pelo comentário.
Volte sempre.