Cultura e identidade que se perde
O QUE se pode esperar do futuro de uma terra que deixa morrer as suas tradições, em detrimento de um comercialismo desenfreado?
Ao longo dos anos, nos mais variados locais, vamos assistindo a um completo desrespeito pelos usos e costumes e um completo desleixo na sua preservação. Por exemplo, quem se lembra ainda da tradicional apanha do sargaço que sustentava imensas famílias no norte litoral português e que era base de uma economia de subsistência? Ou quem se lembra de uma outra tradição de cariz mais popular, em que, no Dia das Bruxas (agora chamam-lhe «Halloween») se andava de porta em porta a pedir o «Pão por Deus»? Actualmente, as crianças, por influência americana, dizem «Doçura ou Travessura» e nada sabem da tradição secular desse dia na Europa.
Macau, infelizmente, não foge à regra. Nos últimos dez anos, com o acelerado desenvolvimento da indústria do jogo e tudo o que a ele ficou associado, a sociedade tem evoluído num sentido que nem sempre é o mais indicado. Ainda me lembro que na década de noventa não precisávamos de fechar os carros à chave ou de estar receosos de que nos assaltassem na rua. Essas alterações de hábitos levam a que hoje não possamos deixar de estar preocupados com a cidade que deixamos para as gerações vindouras.
As tradições nesta terra desaparecem pouco a pouco, sem que ninguém se mostre muito interessado em mantê-las. Quem fazia por as registar e lutava para que não caíssem no esquecimento vai, a pouco e pouco, também desaparecendo. O exemplo do macaense Leonel Barros, falecido recentemente, é disso ilustrativo. Restam-nos os registos escritos, que agora urge preservar, pois se tal não acontecer, perderemos até a memória colectiva.
Na comunidade chinesa local há também pessoas que se dedicam à recolha e preservação das tradições. Pessoas que, anonimamente, vão tentando fazer com que as suas vivências não morram e não caiam no esquecimento desta sociedade cada vez mais «pseudo-desenvolvida». Esses trabalhos merecem e devem ser publicados nas duas línguas oficiais para conhecimento de todos. Um trabalho que cabe, por inerência de funções, ao Instituto Cultural. Conhecendo Guilherme Ung Vai Meng e sabendo do seu apreço por estas tradições, penso que muito será feito durante o seu mandato.
Só uma comunidade informada acerca de tudo, mas mesmo tudo o que a caracteriza, pode manter o seu traço original e diferenciar-se de outras que a rodeiam. Não consigo perceber como pode um povo desenvolver-se, quando não procura preservar as suas tradições. Uma terra sem passado não pode ser uma terra com um futuro brilhante.
As modernidades podem trazer, no imediato, benesses e bem-estar, mas daqui a uma ou duas gerações vamos perder valores, sem ter qualquer forma de os recuperar. Valores que, como qualquer outra forma enraizada de definição do traço característico de uma sociedade, estão intrinsecamente relacionados com as tradições, os viveres e o que de mais popular uma sociedade pode ter.
Não preservar essas características únicas é o primeiro passo para ser assimilado por completo, perdendo-se a identidade. Macau, se não houver uma protecção deste traço que liga a cultura chinesa (oriental) e a portuguesa (ocidental), passará a ser apenas um subúrbio de Zhuhai, sem qualquer característica própria, com excepção dos casinos e das apostas legais.
Actualmente, onde quer que nos desloquemos no território, vemos novos empreendimentos turísticos e habitacionais, que apenas trazem características importadas. O exemplo mais flagrante, embora não o pior, é o «Venetian», que nada tem a ver com Macau. O casino-hotel da «Wynn» afina pelo mesmo diapasão, nada introduzindo no campo da preservação ou inovação no conceito de encontro de culturas, próprio de Macau.
As modernices, no entanto, não são todas negativas e mesmo o «Venetian» e o «Wynn» têm os seus pontos positivos. Trouxeram algo de novo ao território, é verdade, mas poderiam ter evitado trazer cópias e ter optado por criar algo que honrasse a história cultural deste pequeno espaço.
O próprio Governo pouco tem feito nesse sentido. Os últimos grandes empreendimentos levados a cabo nada trouxeram de novo. A ponte Sai Van e o «Dome» em pouco (para não dizer nada) vieram enaltecer o encontro de culturas!
Ao referir-me a construções físicas, não posso esquecer também outros sectores da cultura. É de todos sabido que não existe, oficialmente, um manual de História de Macau que seja aceite por todos os sectores da sociedade e seja «imposto» pelos Serviços de Educação às escolas locais. Sem este pilar básico, como se pode ensinar às crianças que devem preservar a cultura dos seus antepassados?
Fico perplexo, quando falo com jovens profissionais nascidos em Macau e estes não me conseguem explicar a razão de ser de Macau, as suas origens e história. Muitos nem sequer sabem qual a razão da língua portuguesa ser uma das línguas oficiais e de 20 de Dezembro comemorar o retorno de Macau à soberania chinesa!
Numa terra assim, algo vai mal no âmbito de preservação cultural e de ensino da história local.
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